Thais Paraguassú é do escritório, do ateliê e da avenida

Foto: Armando Bruck/SASP

18h30 e o portão da Unidos do Peruche, na zona norte de São Paulo, se abre. Sorridente, Thais Paraguassú,  primeira porta-bandeira da escola, entra, cumprimenta os funcionários, liga a luz da quadra e se prepara para aproximadamente três horas de ensaio. É assim todas as quartas-feiras. Pelo menos por enquanto. Conforme os meses vão passando, os ensaios tomam mais dias da agenda de Thais. A partir de novembro, ela terá apenas um dia livre de ensaios. Mas ter uma rotina corrida já é normal para a porta-bandeira da filial do samba, apelido da escola localizada no número 1040 da rua Samaritá, Jardim das Laranjeiras.

Thais é também secretária da Federação da Agricultura. Há três anos, se formou em Design de Moda e realizou o sonho de montar sua grife de roupas carnavalescas. “Desde 2006, 2007 eu faço roupas para outras pessoas. Mas o ateliê mesmo existe há três anos, na Pompeia. Minha mãe é costureira. Quando virei porta-bandeira, ela começou a fazer minhas roupas. Eu fui para Imperador do Ipiranga e lá eu dançava com um mestre-sala carioca (lá no Rio as roupas eram diferentes). Então eu sempre pedia, 'faz alguma coisa diferente, mais ousada.’ Aqui é tão comportada. Até que um dia eu disse: ‘Mãe, me ensina aí vai’, porque aí eu conseguiria tirar o que estava na minha cabeça, já que não sabia explicar. Ela me ensinou e comecei”, comenta Thais, que faz todas suas roupas de ensaio e de alguns integrantes da Peruche. No carnaval de 2017, produziu as fantasias da Velha Guarda. Foto: Fotos Públicas

Foto: Jacques Royzen

Sua relação com o carnaval é longa. Atualmente com 36 anos, começou a desfilar em 1992, quando tinha 11. Só não iniciou antes porque os pais não deixavam. Grande parte da família cresceu na quadra da Peruche. Em especial sua tia, Rosangela Paraguassú, que observou de perto a escola crescer. “A Thais sempre morou comigo, então a convivência é bem forte. Depois que ela começou a desfilar, só queria saber de dança. Não tinha tempo para aprontar, sempre foi uma boa menina”, comenta Rosângela, que acompanha a sobrinha até hoje, nos ensaios e nos desfiles.  

“De 92 até 99 eu desfilei  na Peruche em alas, carros alegóricos. Dependia o ano. Em 2000 eu virei segunda porta-bandeira. Em 2001 eu fui pra Imperador do Ipiranga, também como segunda porta-bandeira, e em 2002, saí como primeira, na Acadêmicos do Tucuruvi. Fiquei lá até 2014. Quando eu voltei para a Peruche, em 2015, eu senti um peso tão grande em cima da gente.  A escola estava apostando todas as fichas para ser campeã. Eu tenho uma cobrança interna sabe, então, meu Deus do céu, se não trouxer a nota, se não conseguir, quanta gente eu vou decepcionar”, explica Thais sobre o campeonato de 2015, quando a agremiação estava no grupo de acesso. Naquele ano, a Unidos do Peruche conseguiu garantir sua volta ao grupo especial.

"Quando a gente vê o amor que as pessoas têm, só de olhar no olho de quem idolatra a escola, é uma emoção muito grande. Só quem é de dentro sabe”.


“Antes de voltar, eu pensei lá nos anos 2000. Minha família retornou para a escola, minha tia nunca chegou a sair. Então me animei: ‘vamos lá, tem uma proposta boa, um projeto bom da escola se reerguer.’ Um presidente novo, com novos objetivos. Eu falei: ‘eu vou para ajudar, ver a Peruche que via quando era pequena'. Até porque a escola estava se perdendo. Ficou muito tempo no grupo de acesso, estava perdendo sua história mesmo. Não me arrependo de ter voltado”, complementa a porta-bandeira.

Hoje, além de dividir seu tempo como secretária, designer de moda e porta-bandeira da Unidos do Peruche, Thais Paraguassú desfila também pela X-9 no litoral paulista, e onde mais chamarem. “Eu tenho um amor muito grande pela X-9. Fui convidada pelo presidente na época. Desfilo lá há três anos. Já me apresentei também em escolas do interior. Tem lugares que adoraria voltar, mas outros nunca mais. Às vezes falta organização. Tem carnaval no país todo. Tem desfile até em Manaus e é lindo", comenta.

A porta-bandeira se troca e seu parceiro, Jefferson Gomes, chega para o ensaio, de azul e uma camiseta de São Jorge. “Olha ele, veio de São Jorge”, fala Thais em tom humorado. Será o primeiro carnaval do casal. Jefferson é novato na escola, até, por isso, eles resolveram começar a ensaiar bem cedo.

“Desfilar não cansa. Dói, pesa, machuca, mas só se sente depois”.


“Eu dancei sete anos com o Robinson da Silva na Tucuruvi.  Em 2015, dancei com ele aqui também. Em  2016 e 2017 eu me apresentei com o Fabiano Dourado, que já havia dançado na Tucuruvi. Agora estou começando com o Jefferson, pessoa que eu nunca imaginei que iria trabalhar. É uma mudança grande, tanto que a gente já começou a ensaiar,  é foco. Temos um objetivo e vamos em frente. É difícil, é diferente, mas estamos unidos pelo melhor “, analisa Thais.

O ensaio começa. Com a quadra vazia, Jefferson liga uma pequena caixa de som, suficiente. Com um largo sorriso, Thais, vestida toda de azul, ostenta a bandeira da filial. “Ser porta-bandeira e ostentar o pavilhão da escola é uma honra enorme. Quando a gente vê o amor que as pessoas têm, só de olhar no olho de quem idolatra a escola, é uma emoção muito grande. Só quem é de dentro sabe”, emociona-se.

"Têm pessoas de fora, que não são do carnaval, que não gostam. Tem gente que fala: ‘Ah, você vai pro desfile?’ ‘Você dança pelada? Coisas assim. Aí eu tento explicar. Tento colocar na cabeça das pessoas.”


O casal discute a respeito dos passos e tudo que se pode se imaginar é uma quadra cheia, o par com suas roupas luxuosas, no centro do local. E quando se fala em fantasia, é bom enfatizar que a vestimenta de uma porta-bandeira pesa em torno de 20kg. Porém Thais não liga. Não sente na hora da avenida. “Tudo passa tão rápido no dia, você nem vê”, diz. “Desfilar não cansa. Dói, pesa, machuca, mas só se sente depois”, complementa.

E se dentro da escola a paulistana, que sempre morou na zona norte da cidade, não sente desconforto algum em se apresentar, a porta-bandeira ouve o preconceito de quem olha de fora. “Dentro do meio me sinto totalmente confortável. Nunca sofri nada. Têm pessoas de fora, que não são do carnaval, que não gostam. Tem gente que fala: ‘Ah, você vai pro desfile?’ ‘Você dança pelada? Coisas assim. Aí eu tento explicar.” O ensaio continua e o casal corrige alguns passos. Dão risada. “Eu costumo opinar sobre o que está bom ou o que não está. Quando era o outro mestre-sala, eu falava mais. Mas ainda dou palpite sim”, comenta Rosângela.

"Eu tenho uma cobrança interna sabe, então, meu Deus do céu, se não trouxer a nota, se não conseguir, quanta gente eu vou decepcionar”


“Minha tia, Rosangela, é Peruche doente. Eu comecei aqui porque minhas tias sempre frequentaram a escola”, relata Thais, que mesmo há tanto tempo ativa no carnaval, não foi campeã nenhuma vez no grupo especial. “O melhor carnaval para mim foi em 2013, na Tucuruvi. O enredo era sobre o Mazzaropi.  Ficamos, se não me engano, em quarto lugar. Em 2011, com a Tucuruvi, fui vice-campeã.”  Mas se há momentos que valem lembranças, existem também os que Thais quer esquecer. “Em 2016, não foi tão bom. Nós tivemos muitos problemas com fantasias. Eu perdi muita nota neste quesito. Quando você perde nota em uma coisa que não é culpa sua, dói. Dói mais. A preparação foi legal, mas o desfile, não foi nem um pouco bom”, relembra.

Thais no carnaval 2015/ Fotos Públicas

De olho em 2018

A luta pelo título já começou na Unidos do Peruche, e a escola, conta com a determinação e o foco de sua sorridente e carismática porta-bandeira e de seu mestre-sala, que se diverte no ensaio, rodeando o símbolo da escola fixado no chão. “A escola está crescendo, o nosso presidente tem muita vontade de fazer o melhor, ele é muito competitivo. Às vezes o resultado não é como a gente imagina. Mas quem está com ele sabe o quanto trabalha", ressalta Thais.

Em 2018, a Peruche virá com um enredo em homenagem a Martinho da Vila. E ele já prometeu desfilar.  Enquanto isto não acontece, Thais Paraguassú vive o carnaval em sua rotina maluca. “Como eu trabalho até às 17h, resolvo meus compromissos do carnaval a partir das 18h”, comenta.  Logo mais os ensaios aumentarão para três dias da semana. A partir de novembro, Thais praticamente não ficará em casa. Terá apenas um dia de folga da quadra.

Há também as encomendas do ateliê. E ela adora tudo isso. Percebe-se na alegria ao falar sobre o assunto. Nunca pensou em abandonar esta vida. Thais sorri, balança a bandeira. Se solta. “É claro que dá orgulho. Eu vejo a Thais desde pequena até aqui. É uma evolução muito grande”, finaliza a tia Rosângela, mas que também pode ser considerada uma segunda mãe.




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